1. Experiencias y resistencias socioeducativas

Análise das disposições que formam o habitus escolar na constituição das trajetórias de mulheres trabalhadoras: Contextualizando o marco teórico

  • Ribeiro Gonçalves, Andréa (PUCRS & IFRS-Porto Alegre)
Resumen

Este texto é um fragmento do marco teórico da pesquisa de doutorado desenvolvida pela autora junto à linha de pesquisa Teorias e Culturas em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PPGEdu-PUCRS), que tem por objetivo compreender como os universos sociais (família, trabalho e escola) atuam na incorporação das disposições, que formam o habitus escolar nas trajetórias sociais das mulheres trabalhadoras estudantes e egressas da Educação de Jovens e Adultos integrada à Educação Profissional Tecnológica (EJA/EPT) do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) do campus Porto Alegre. Para a concretização da empiria foram realizadas cinco entrevistas em profundidade com mulheres estudantes e egressas do curso técnico em administração da modalidade EJA/EPT, que se apoiaram no dispositivo metodológico dos Retratos Sociológicos de Bernard Lahire. Neste sentido, o marco teórico que auxilia o artesanato dessa investigação se apoiou nos Patrimônios Individuais de Disposições de Bernard Lahire para a apropriação da noção de disposição e da Teoria dos Campos de Pierre Bourdieu para alicerçar os conceitos de campo, habitus e trajetória. Concepções que são orientadoras da análise teórica da empiria. No entendimento de uma pesquisa que reconstruirá as trajetórias de mulheres, compete também apresentar a categoria de análise de gênero, que Joan Scott (1995), considera um elemento constitutivo das relações sociais, ao lado de categorias como raça/etnia e classe social que são demarcadores de diferenças sociais. Logo, as desigualdades de gênero se manifestam nas relações institucionais, que mantém a mulher em um espaço marginal na sociedade. Dessa forma, “a estrutura da dominação masculina (...), diferentes em sua forma segundo a posição, no espaço social, dos agentes envolvidos (...) separam e unem, em cada um dos universos sociais, os homens e as mulheres” (Bourdieu, 2012, p. 127). Segundo Lahire (2005, p. 23), “o mundo social é continuamente sobressaturado de diferenças sexuadas”, sendo que, essas diferenças são vividas socialmente de formas precoces e universais, concomitantemente. Sob essa perspectiva, é necessário ter em mente, que para Bourdieu (1992), a análise das relações entre os agentes dentro de um campo que se configura em uma rede de relações objetivas de dominação ou de subordinação entre posições e que tem sua origem no social, consistindo em um emaranhado de relações entre as posições, sendo que cada posição determina ao seu ocupante, um status hierárquico (determinado pelo capital ou poder que possui) na estrutura do campo. Portanto, tomemos como exemplo o habitus individual escolar de uma agente que prolonga sua escolarização e alcança o grau máximo da educação básica, não existindo no seio de sua família nenhum(a) outro(a) agente que possua ou alcance o mesmo nível escolar, ela por ter concluído a Educação Básica poderá ser considerada por sua família “um gênio”, no entanto, no seu local de trabalho é a pessoa que possui o menor nível de escolaridade. Porém, podem ser as disposições incorporadas no universo de trabalho, que a impulsionam à continuidade e ao avanço escolar. Nesse sentido, apoiadas em Lahire, pode-se aferir então, seguindo com o exemplo, que o sentimento de genialidade do universo familiar, somado às cobranças do universo do trabalho, agregado aos estímulos do universo escolar, formam um Patrimônio Individual de Disposições, complexo e único, estruturador e estruturante do habitus escolar da agente. Assim, Lahire (2005), afirma também que as disposições podem ser fracas ou fortes e são fortalecidas ou enfraquecidas em decorrência das atualizações que estão sujeitas ou não. Explica que um hábito não é incorporado e fixado imediatamente, sendo que a fixação é consequência das atualizações, ou seja, as disposições tem que estar frequentemente em contato com situações que as atualizem. Pois, se no percurso escolar a estudante não atualizar, ou seja, não encontrar condições que acolham, facilitem, auxiliem ou reforcem a sua permanência no espaço escolar, as disposições não serão atualizadas e consequentemente não se fortalecerão, e o encurtamento da trajetória escolar pode ser inevitável. Neste sentido, ao propor um diálogo entre a Teoria dos Campos, para a reconstrução das trajetórias escolares das mulheres trabalhadoras estudantes e egressas da EJA/EPT com os Patrimônios Individuais de Disposições de Bernard Lahire, deve-se entender suas convergências, mas também suas contradições. Nessa concepção, a abordagem sociológica de Bourdieu não está parada no tempo permitindo uma melhor compreensão dos fenômenos coletivos e individuais do cotidiano do universo escolar. Sob esse ponto de vista, as mulheres trabalhadoras estão sujeitas às disposições fracas para a tomada de posição, pois não estão expostas as condições que fortalecem as disposições que prolongariam seus percursos escolares. As mulheres, potenciais estudantes da EJA/EPT, estão em constante estado de convencimento para retornarem à sala de aula, ou ao contrário. Então, compreendo que as noções de disposição, habitus e trajetória, constituem possibilidades interpretativas em pesquisas empíricas, afim de explicar questões duvidosas e esclarecer problemáticas sociais ainda obscuras. Sob esse ângulo, segundo De La Fare (2020, p. 53), estudos sobre trajetórias educativas evidenciaram “un panorama heterogéneo en relación con los usos de la noción de trayectoria que, en algunos casos, mostró cierto eclecticismo en las apropiaciones de esa noción en la investigación empírica”. Assim, ao amparar nossa investigação na Teoria dos Campos e na noção de habitus, temos que compreender que a teoria de Bourdieu se completa, quando utilizada para explicar situações observadas e identificadas em pesquisas empíricas. Como resultados, observamos que os universos família, escola e trabalhos são condicionantes para a permanência tranquila das mulheres estudantes da EJA e que a escola poderia ser mais atenta a relatos como os que foram sistematizados a partir das entrevistas. O que leva a considerar que a Educação de Jovens e Adultos para o campo escolar, e principalmente, para o sub campo educação profissional, se configura como uma força transgressora, quando se propõe a acolher as mulheres trabalhadoras, segmento social que historicamente é excluído da e pela escola.
REFERÊNCIAS
Bourdieu, P. (2012). A Dominação Masculina. Bertrand Brasil.
Bourdieu, P. (1992). As Regras da Arte - Gênese e estrutura do campo literário. Companhia das Letras.
De La Fare, M. & Nunes, M. B. (2020). Os Estudos Sobre Trajetória Escolar na Análise das Desigualdades Sociais. In Guimarães , G. T. D., Maciel, A. L. S. & Gershenson, B. (Orgs.). Neoliberalismo e desigualdade social: reflexões a partir do serviço social. EDIPUCRS.
Lahire, B. (2005). Patrimónios Individuais de Disposições: Para uma sociologia à escala individual. Sociologia, Problemas e Práticas (v. 49, 11-42). http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/18_ref_capes/arquivos/arquivo_152.pdf
Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. (v. 20, 71-99).
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667