1. Experiencias y resistencias socioeducativas

O escotismo não é somente para rapazes, e também não apenas para héteros

  • Rebeca Pizzi Rodrigues (Mestranda em Educação, turma 2023, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, linha de Teorias e Culturas em Educação, orientadora Profa. Dra. Edla Eggert, Bolsista CNPq)
Resumen

O Escotismo é um movimento de educação não-formal, de caráter educativo, cultural, destinado para crianças, adolescentes e jovens, uma associação sem fins lucrativos,beneficente e filantrópica. Nos últimos anos começou a estruturar equipes de diversidades, tanto em nível nacional quanto regional. E o objetivo desta pesquisa é analisar a heteronormatividade e seus discursos de poder nesse movimento em relação a diversidades, relacionando com estudos queer e feministas em grupos da região metropolitana de Porto Alegre, RS. O Movimento Escoteiro é uma instituição centenária que tem mudado suas orientações e tem sido desafiado a encarar temas "novos" como as diversidades e os estudos queer.
O livro “Escotismo Para Rapazes” escrito por Baden-Powell e publicado no ano de 1908, primeiramente publicado em 6 fascículos vendidos em bancas de jornais, lançados quinzenalmente na Inglaterra e depois reunidos em um livro e publicado em 1908 (BOULANGER). O escotismo foi destinado apenas aos homens, e levando o contexto social da época, em que o homossexualismo era considerado crime, pode-se dizer que tratava-se de um movimento exclusivo para homens héteros. Em contrapartida, houve a insistência de garotas quererem fazer parte e, nesse contexto, foi criado o Movimento Bandeirante, destinado para meninas, moças e mulheres. As primeiras tropas de guias femininas, surgiram em 1910, e na sequência, a irmã de Baden-Powell, Senhorita Agnes, escreveu o Manual de Guias (1912). Em 1917 foi oficializado o segmento feminino das Bandeirantes, sendo uma instituição paralela ao Movimento Escoteiro (Santos, Lessa, Santana, 2011). Atualmente, tanto o Movimento Bandeirante abriu espaço para a participação masculina, assim como o Movimento Escoteiro abriu espaço para a participação feminina.
No Brasil, o processo de Coeducação do Movimento Escoteiro iniciou por volta dos anos 80, e trazendo seu conceito, a convivência de rapazes e moças por meio de ações educativas harmônicas para o desenvolvimento da personalidade possibilitando uma educação que levasse em consideração as realidades locais e pessoais, por meio da co-educação. Que tratou-se de um processo pelo qual meninos/homens, meninas/mulheres "vivenciam um plano educacional para um melhor e mais harmônico desenvolvimento da personalidade, favorecendo a educação recíproca de uns pelos outros e levando em consideração as realidades locais e pessoais" (SUFFERT, 1980, p.1), isto é, a integração de um Movimento Escoteiro para ambos os gêneros, e não mais segmentado. E a partir da inclusão efetiva das mulheres no Movimento Escoteiro, outros recortes de diversidades começaram a ter espaço de forma ampla, para um escotismo para todas as pessoas, sem distinções.
Nessa pesquisa de mestrado, farei uso da narrativa autobiográfica, que apresentará recortes da minha experiência educativa no Movimento Escoteiro. Minha entrada no movimento ocorreu nos anos 2000, quando eu estava com 9 anos. Eu era uma criança fora do padrão heteronormativo, e encontrei no escotismo um lugar para poder chamar de ¨minha tribo¨. Passei por todos os Ramos - Lobinho, Escoteiro, Sênior e Pioneiro - e tive meu processo de "saída do armário", ou seja, a minha identificação de ser uma mulher lésbica, enquanto estava no final do Ramo Pioneiro, que possui a faixa etária dos 18 a 21 anos incompletos.
Em 2013, diante do Posicionamento dos “Boys Scouts of America”, instituição escoteira dos Estados Unidos da América, afirmando que no escotismo praticado naquele país, adultos voluntários gays não eram permitidos, somente jovens homossexuais. Nesse contexto, surgiu a necessidade das instituições escoteiras de outros países, se manifestarem sobre o assunto. Diante dessa contingência, a União dos Escoteiros do Brasil - UEB, realizou um Posicionamento Institucional sobre Homoafetividade. Neste posicionamento, os Escoteiros do Brasil afirmaram que o Movimento Escoteiro é aberto a todos e nenhum tipo de preconceito e intolerância era aceito (UEB, 2015). O Escotismo tem, em sua essência, o discurso de ser para todas as pessoas, mas na prática, por um reflexo da sociedade, a população LGBTQIAPN+ acabou não sendo tão bem vinda. No ano seguinte, em 2016, com o Tema Anual dos Escoteiros do Brasil: “Diversidades que nos Unem”, foi articulada uma proposta mais aberta para a pauta das Diversidades a ser trabalhada com as pessoas associadas ao movimento. A motivação pelo Tema Anual e pela pauta das Diversidades de Gênero gerou embates e discussões entre os grupos do Rio Grande do Sul.
É nesse contexto que, em novembro de 2016, começou o projeto de visibilidade que desenvolvi com a criação da Equipe Regional de Diversidades, e desde então, sou responsável por essa iniciativa. Começamos a realização de oficinas de capacitação para os membros da equipe, e posteriormente, a todos os associados da região escoteira do RS. Além disso, houve a participação da equipe em eventos estratégicos, como Congressos Regionais, Encontros de Formação de Ramos e Distritos Escoteiros.
De início, alguns associados estavam receosos com o tabu do tema, porém, se apoiaram na equipe para entender a realidade dos seus jovens, se capacitando e aprendendo sobre as diversidades para atendê-los de forma mais plena e acolhedora. Com o desempenho da Equipe do RS, em 2019 fui chamada a fazer o processo de criação da Equipe Nacional de Diversidades, me tornando a primeira coordenadora Nacional de Diversidades dos Escoteiros do Brasil.
A heterossexualidade não é vista como diferente, e sim é a norma que passa a ser invisível/natural, não tendo discussões acerca da própria existência como tal, o que faz com que pessoas que não se "encaixam" na norma, hoje em dia intitulados queer, ganhem holofotes e sejam entendidas como erradas, o outro como negativo, o excêntrico (SEFFNER, 2013). A autora Guacira Louro (2009), entre outras e outros teóricos, define essa naturalização como heteronormatividade. É um processo resultante do alinhamento entre sexo-gênero-sexualidade relacionado "à produção e à reiteração compulsória da norma heterossexual" (p.90), partindo do princípio de que o ser "natural" das coisas é a pessoa hétero. Dagmar Meyer (2013, p.17), analisa que a categoria de gênero tenta romper com tudo que se refere ao sexo ser determinado como "inato e essencial", e assim poder "argumentar que diferenças e desigualdades entre mulheres e homens" são social e culturalmente construídas, não definidas pelo sexo biológico. A heterossexualidade é o centro, e o que está fora disso é o marginal/excêntrico (MEYER, 2013).
Da mesma forma como no ambiente escolar, dentro do ME, as ordens de discurso em todas as estruturas reforçam a heteronormatividade. E essas relações determinadas dos saberes e das verdades impostas no discurso, paradoxalmente, deixam aparente essas relações de poder, sendo essa invisibilidade/naturalização a estratégica para a eficiência do discurso. (LOURO, 2009). Até o momento realizei o estudo do estado de conhecimento sobre "Movimento Escoteiro" e tudo que se aproxima ao tema e posso dizer que há pouca produção acadêmica sobre escotismo no Brasil e, menos ainda, sobre escotismo e população queer. Aldenise Santos (2017), defendeu sua dissertação sobre gênero e ME, e reforça que há pouco material de abordagem teórica sobre escotismo, principalmente sobre a inserção das mulheres quanto às subjetividades do ME.
Na pesquisa que realizei na BDTD, com o marcador "Escotismo", sem restrição de datas, encontram-se apenas 69 resultados. E ao retirar os assuntos que não são conectados ME, o número chegou em 41 teses e dissertações. E nenhum deles exclusivamente sobre pessoas dentro da comunidade LGBTQIAPN+. Além do estudo bibliográfico, na parte empírica, serão realizados dois tipos de questionários online, um focado em participantes do ME, de jovens (a partir de 18 anos) e adultos voluntários. E um segundo questionário online para os Grupos Escoteiros, as Unidades Escoteiras Locais. Além de uma autoetnografia, para o início dessa jornada, pois a minha vivência como escoteira, e os recortes que eu possuo - mulher e lésbica, foram os marcadores que me trouxeram até aqui.

REFERÊNCIAS

BDTD. ([s.d.]). Ibict.br. Acessado 30 de novembro de 2023, de https://bdtd.ibict.br/vufind/

Boulanger, A. (2011). O chapelão: histórias da vida de Baden-Powell. Letra Capital Editora.

Do Brasil, U. dos E. (2020a, janeiro 1). Brasil. Escoteiros do Brasil. Acessado 25 de abril de 2023, de https://escoteiros.org.br/escoteiros-do-brasil/

Do Brasil, U. dos E. (2020b, fevereiro 10). Mundo. Escoteiros do Brasil. Acessado 25 de abril de 2023, de https://www.escoteiros.org.br/mundo/

Do Brasil, U. dos E. (2015). Posicionamento Institucional sobre Homoafetividade. Escoteiros do Brasil. Acessado 25 de abril de 2023, de https://www.escoteiros.org.br/wp-content/uploads/2020/07/Posicionamento_oficial_sobre_homoafetividade.pdf

Louro, G. L. (2019). Heteronormatividade e Homofobia. Em R. D. Junqueira (Org.), Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. (p. 85–93). Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO.

Meyer, D. E. (2013). Gênero e Educação: teoria e política. Em Guacira Lopes Louro, Jane Felipe, Silvana V. Goellner (Org.), Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 9 ed. (p. 11–29). Vozes.

Santos, A. C., Lessa, L. L., & Santana, A. F. T. (2011). MULHERES NAS TROPAS ESCOTEIRAS: UM MOVIMENTO PARA PENSAR A CO-EDUCAÇÃO NO ESCOTISMO. V Colóquio Internacional - Educação e Contemporaneidade. Acessado 26 de novembro de 2023, de https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/10511/25/139.pdf

Santos, A. C. (2017). O canto do Uirapuru: mulheres no movimento escoteiro. Edise.

Seffner, F. (2013). Sigam-me os bons: apuros e aflições nos enfrentamentos ao regime da heteronormatividade no espaço escolar. Educação e Pesquisa, 39(1), 145–159. Acessado 19 de junho de 2023, de https://doi.org/10.1590/s1517-97022013000100010

Suffert, R. (1980). A co-educação na região interamericana. União dos Escoteiros do Brasil.