A carta como texto (auto)biográfico: Sor Juana Inés de La Cruz e a defesa da educação para as mulheres
- Edla Eggert - Profesora de la Escola de Humanidades de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS (Brasil)
- Diana Marcela Rodríguez Claavijo - Post-doctoranda en Educación de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS (Brasil), con supervisión de la Dra Edla Eggert.
As epistemologías feministas têm “desarrumado” os argumentos da tradição científica moderna e, lentamente é possível visibilizar uma produção teórica tramada junto com outras perspectivas que se somam na crítica ao modo como o conhecimento foi apresentado na tradição patriarcal, branca, rica, heteronormativa e colonialista. As cartas têm sido um recurso textual atual (do Monti; Oliveira, 2022;Leandro; Vasconcelos, 2019), assim como em pesquisas sobre textos do passado (Barros, 2012).
Nosso trabalho apresenta recortes de uma pesquisa que estuda a luta de mulheres por dignidade a partir de textos produzidos em diferentes tempos. A
hermenêutica feminista se apresenta como recurso teórico-metodológico tendo no escrutinio das cartas a suspeita de que o autobiográfico possa ser a potencia da experiencia reveladora do conhecimento das mulheres no passado e no presente. (Eggert, 1999)
Apresentamos um pouco da biografia da menina Juana que torna-se freira jerônima e, em seguida situamos o ponto que nos interessa sobre como é produzida a carta contendo o gênero (auto)biográfico que narra a busca pelo conhecimento e a defesa da educação para todas as mulheres. Juana Inés de Asuaje ou Asbaje (1647/1648-1695), tem no seu registro de batismo, encontrado no século XX por Guillermo Ramírez España (Paz, 1998), ao lado de seu nome, o registro de "Inés hija de la Iglesia", modo de dizer que ela era filha ilegítima/natural (significa que o pai e a mãe não eram casados) de Pedro de Asuaje, militar espanhol e Isabel Ramírez. A família da mãe era crioula, ou seja, descendente de espanhóis nascidos no México, com algumas posses, mas sem direito a cargos públicos que somente poderiam ser assumidos por espanhóis. A conjuntura econômica da família obrigou à decisões de deixar as três primeiras filhas, entre elas Juana Ines, a viverem em diferentes lugares: Juana foi levada para viver primeiramente na casa do avô e em seguida na casa do tio maternos na Cidade do México. Esse tio possuía algumas posses e certa influência local ao ponto de apresentar Juana como dama de companhia para os vice-reis em especial "vi-reina", marquesa de Mancera "Leonor Carreto". Segundo Paz (1998, p. 139), "Juana Inés, viveu ao lado dos vice-reis entre os dezesseis e vinte anos de idade" e nesse tempo, segundo as suspeitas desse autor, não faltaram festas, e possíveis "devaneios e amoricos". Paz utiliza os relatos do padre jesuíta Calleja para fazer essas deduções, logo, se nos colocamos no exercício hermenêutico feminista, é preciso observar que ficamos reféns da imaginação desse padre e do próprio Otávio Paz! Se nos atermos de que a imaginação também nos pertence conforme a hermenêutica feminista, nos aventuramos a pensar para além dessas suposições do padre de Calleja, e de Otávio Paz. Segundo Marilu Rojas (2022) e Georgina Sabat Rivers (2006), a decisão de sair da Corte da Vi-reina e entrar para a vida reclusa, tem a ver com a consciência de Juana sobre o casamento, pois seria o fim de sua rotina de estudos. Aos 21 anos entrou para o mosteiro, primeiro no mosteiro das carmelitas dos pés descalços, mas depois de três meses pede para sair e entra no mosteiro das Jerônimas. Sór Juana Inés de La Cruz, produziu peças teatrais, músicas, loas - durante toda sua vida.
O motivo da existência da carta autobiográfica de Sor Juana é devido a uma primeira carta, a carta atenagórica, que significa "digna de sabedoria de Ateneia" (1998, p.541), encomendada pelo bispo de Puebla. Sor Juana escreveu um elogio sobre o “Sermão do Mandato” de Pe. Antonio Vieira. Essa sua análise teológica foi apresentada em sarau costumeiramente ofertado no convento Jerônimo, onde se encontravam pessoas nobres, além do clero. O sermão era pregado todas as quintas-feiras santas pelo jesuíta. A comentadora Georgina Sabat Rivers (2006, p.719) afirma que Sor Juana "se sentió con saber y energía suficientes para comentar asuntos sagrados, que sólo se permitía a los hombres letrados y clérigos respetados." Sabat salienta que Sor Juana quis apresentar seus dotes de pregadora, coisa proibida para as mulheres. A reflexão era teológica e versava sobre o amor sensível de Jesus. Sór Juana se posicionou frente aos argumentos de Vieira com autoridade de pensadora. Sua reflexão agradou e foi recomendada pelo Bispo de Puebla para que a escrevesse e enviasse a ele que, no final daquele ano de 1690 a publicou sem a autorização dela. Além desse feito, publicou junto ao texto de Sór Juana, uma carta em tom admoestador e repressor com a assinatura de uma freira “admiradora” de Sór Juana, a "travestida" Sór Filotea. A repressão taxativa era de que uma freira não poderia se ocupar com reflexões teológicas. A publicização do pensamento de Sór Juana, ocasionou conflitos junto às Jerônimas e também profunda tristeza para a pensadora, devido às perseguições/inquisição da Igreja da época. E é a partir desse fato que depois de alguns meses de reclusão total, Sór Juana envia uma carta resposta à Sor Filotea que chega ao Bispo de Puebla. Em um longo texto essa carta detalha autobiograficamente seu amor pelo conhecimento, sua opção dedicada para os estudos e suas habilidades para dispor a Deus seus dotes vocacionais que poderiam, segundo seu entendimento, ser acessíveis para todas as mulheres. Essa resposta, é o objeto de estudo da nossa hermenêutica feminista.
Bibliografía
Barros, Gracinda Vieira. (2012). O discurso epistolar nas cartas de Sóror Juana Inés de La Cruz. Dissertação de Mestrado em Letras Estudos Literários: Universidade de Juiz de Fora, UFJF, 91p.
Eggert, E. (1999). A mulher e a educação: possibilidades de uma releitura criativa a partir da hermenêutica feminista. Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v.3, n.5, p.19-28.
Leandro, E. G., & Vasconcelos, L. de O. (2019). Uma carta para mim mesma três anos atrás: um olhar para o PNAIC a partir das narrativas de professoras. Revista Brasileira De Pesquisa (Auto)biográfica, 4(11), 680–698. https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.2019.v4.n11.p680-698do Monti, E. M. G., & Oliveira , M. P. de. (2022). Cartas do barítono Raimundo Pereira: potencialidades da escrita epistolar como fonte em estudos biográficos. Revista Brasileira De Pesquisa (Auto)biográfica, 7(22), 677–691. https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.2022.v7.n22.p677-691
Melo Jeronimo, D. C. (2017). La representación de la mujer en sor Juana Inés de la Cruz, critica al estado civil y las actividades proprias de su sexo [manuscrito] / Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Letras Espanhol) - Universidade Estadual da Paraíba, Centro de Educação.
Paz, O. (1998). Sóror Inés de la Cruz: as armadilhas da fé. Trad. Wladimir Dupont. São Paulo: Mandarin.
Sabat de Rivers, G. Compañía para sor Marcela de San Félix y sor Juan Inés de la Cruz: escritoras de allá y de acá. In.: Margarita Ortega López, Asunción Lavrin, Pilar Pérez Cantó. (2006). Vol.2: Historia de las mujeres en España y America Latina. El mundo moderno. pp. 695-726.
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Rojas Salazar, M. Anotações em diário de aula no Seminário Intensivo realizado sobre Sor Inés de la Cruz. Porto Alegre: PUCRS, Dez.2022.